quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

COMO ENXERGO MEUS ALUNOS E A ESCOLA DE PERIFERIA



 CLIQUE AQUI PARA VER NOSSAS ATIVIDADES EXTRA-CLASSE NO BAIRRO AEROPORTO, EM MURIAÉ  PROJOVEM BAIRRO AEROPORTO

           Minha querida amiga blogueira, Jenny Horta, bem ao estilo de uma grande educadora que é, mandou-me uma mensagem de natal com estas significativas palavras de Gandhi: “Nunca perca a fé na humanidade, pois ela é como um oceano. Só porque existem algumas gotas de água suja, não quer dizer que ele esteja sujo por completo”.
           Somos míopes a respeito das potencialidades de nossos semelhantes, e quando só temos olhos para estas “gotas de água suja”, a visão fica estreita... só enxergamos sombras, e o medo limita, sobretudo, o nosso relacionamento social.
           Nas reuniões que antecederam o início das aulas do Projovem, apesar de todos saberem que iriam trabalhar em escolas de periferia, ninguém queria ir para o Aeroporto, já que é o bairro com a fama de ser um dos mais violentos aqui em Muriaé, e nós, os últimos convocados, acabamos quase todos designados para lá.
           Logo no início constatamos que aqueles temores tinham um fundo de verdade, já que tão logo começaram as aulas um aluno foi assassinado em disputa pelo controle do tráfico de drogas, um segundo preso por envolvimento também neste comércio ilícito, e dois outros foram “jurados” de morte, mas o que me impressionou mesmo foram os comentários feitos por educadores que atuam nas escolas municipais de periferia que "hospedam" o Projovem nos diversos núcleos que pertecem ao pólo de Muriaé (Leopoldina, Cataguases, Viçosa e Ponte Nova): “estavam esvaziando os pneus dos carros dos professores, conversei com o traficante e isso nunca mais aconteceu”, "O Projovem vai é trazer o tráfico e os usuários de drogas para dentro da escola". Tudo isso é muito triste, tanto os fatos como os desnecessários comentários... realimentam um preconceito que segrega, indistintamente, “todas” as pessoas que moram em bairros de periferia e, como sempre, as maiores vítimas são os jovens... Alguns de meus alunos relataram que omitem o nome do bairro quando estão procurando emprego.
           Os efeitos desta violência reflete sempre na juventude mais pobre, até o temido “traficante” tem rosto, é de carne e osso, tem família, e, apesar da necessidade de ser combatido e tirado de circulação para o bem da sociedade, na verdade, não passa de uma peça frágil em uma hierarquia, cujo extremo oposto são os grandes cartéis do tráfico internacional, que disputam entre si a manutenção e a conquista de novos "territórios", são eles que determinam a dominação pela violência nesta agressiva disputa que todos conhecemos pelos noticiários policiais, mas seus tentáculos também permeiam toda a sociedade, inclusive nos altos escalões da república, mas os temores, os preconceitos e as ações preventivas da sociedade são desviadas e dirigidas quase sempre para as periferias, e é lá que o jovem pobre sofre as consequencias.
           Este jovem, mesmo quando não está diretamente relacionado às drogas, a coexistência com o crime afeta sua convivência social, quer seja para ir à escola, ao trabalho ou simplesmente para se divertir... é sempre visto como suspeito, pois diariamente a sociedade é induzida a fazer generalizações e, como na "história dos azulejos mal assentados", acabam aumentando, em escala nacional, o preconceito, um mal tão destrutivo quanto as drogas, e que sempre dificulta a solução de qualquer problema.
           Só comecei a compreender a grandiosidade do meu trabalho de educador quando estava selecionando algumas atividades de meus alunos para colocar no blog da escola, e não consegui conter as lágrimas, tanto pela história de vida de cada um, como pela vergonha da minha ignorância a respeito dos problemas e dificuldades daquelas pessoas que se tornaram tão próximas de mim, principalmente pela coragem e força para enfrentar e superar tantas adversidades.
           Já ouvi muita gente desinformada falar mal e dar palpites sobre o Projovem, mas tenho consciência que alguém no governo petista teve uma ideia iluminada e concebeu este programa, estabelecendo novas relações entre a escola e o trabalho, dando muito mais ênfase às potencialidades do que as vulnerabilidades de nossos jovens, mudando radicalmente a tradicional prática pedagógica em relação a estas pessoas tão discriminadas pela dura realidade social em que vivem, e que, por isso, sempre foram as principais vítimas deste nosso perverso sistema de ensino.
           Objetivamente, foi dado a nós, professores, condições mínimas necessárias para exercer um trabalho à altura dos resultados que a sociedade espera, mostrando que esta é uma abordagem revolucionária, e que até o nosso combalido ensino regular, tem muito o que aprender.
           O sistema educacional sempre separou a teoria da prática, e a escola nunca acompanhou as mudanças que naturalmente ocorreram na sociedade, por isso, tornou-se necessária a criação uma política especifica para esta juventude,voltada para torná-los cidadãos, já que existem jovens que são mais excluídos que outros, discriminados pelo poder público e até pelos educadores da própria comunidade, e o programa do Projovem traduz esta necessidade, a maioria não teve uma boa experiência com a escola e, por isso, ficaram socialmente vulneráveis, daí a necessidade de uma política tão especial como esta. Com o Projovem passei, efetivamente, a fazer parte das soluções... por isso nunca em minha vida me senti tão valorizado e integrado.
           Até as palavras mais comuns do natal ganharam outro significado para mim... Por isso quero desejar a todos, principalmente aos meus queridos alunos do bairro Aeroporto, meus professores de vida, um feliz natal e um ano novo com muita PAZ e muito AMOR.


PARA MIM, “COLOR ESPERANZA”, DE DIEGO TORRES, É A LETRA QUE MELHOR TRADUZ O ESPÍRITO DO PROJOVEM (CLIPE COM MEUS COLEGAS DE CAPACITAÇÃO).

11 comentários:

Alfabetização em Foco disse...

Feliz por você, Fernando! Que experiência esta, hein? Após ler este post passei a pensar no programa (Projovem) de outra maneira. Minha filha participou e eu nem dei muita importância! Pensava apenas que pra ela que terminou o Ensino Médio e aguarda para entrar na Faculdade seria um "cursinho" a mais.

Feliz por ter feito esta parada aqui e ter lido sua postagem.
Bjus...

Feliz 2010!

Lenira

http://alfabetizacaoemfoco.blogspot.com

Conceição Rosa disse...

Oi Fernando

Quando ouvimos aquilo que precisam dizer, nosso preconceito desaparece, a solidariedade se instala e aprendemos a ver "os outros" com o olhar da humildade... Eles são guerreiros, e o fato de continuarem na escola já é uma vitória: que façamos a nossa parte, respeitando-os em sua coragem e força.

Que mais presentes de natal como este aconteçam ao longo de 2010.

Um grande abraço!

Anônimo disse...

Oi, Fernandão,

Acho que a natureza deixa em destaque estas gotas sujas, para que, incomodados, não fiquemos sempre estagnados e lutemos por mudanças.

Aqui no Brasil, quem não suja, finge que não vê estas gotas, e este é um dos entraves de um país que depende do carisma de seu presidente para obter destaque no exterior. Lamentável.

Fico contente com o sucesso de seus alunos do Projovem. Continue na luta, amigo.

Um grande abraço,
Prof_Michel

Natalia Montes disse...

Quero agradecer ,antes mesmo de visualizar as fotos do Projovem de Leopoldina no seu Blog.
Obrigada pela linda montagem!
Um abraço,Professora Natália,Leopoldina.

Unknown disse...

E ai Fernandão...
Nós educadores do projovem, temos em nossas mãos uma responsabilidade muito grande...
Tivemos medo mas tudo esta fluindo cada vez melhor...
Abração..
Rodrigo

Prof. JC disse...

Muito bom, Fernando!

Continuemos limpando as poucas gotas desse oceano que ainda não descobriram sua própria pureza.

Abraço,
JC
http://professordigital.wordpress.com

Natania A S Nogueira disse...

Oi, Fernando!
Não sabia que em Muriaé a situação da periferia era assim. Sempre trabalho em periferia há 13 anos e tenho uma boa relação com meus alunos. Alguns sei que se envolveram ou estão envolvidos com o crime, mas sempre houve muito respeito entre alunos e professores. Acho que a educação é transformadora, mesmo que a transformação seja lenta. A realidade onde vc leciona pode mudar, basta não perder a esperança. A mudança pode vir lentamente, mas ela vem. A recompensa do educador é poder assistí-la acontecendo. Um Feliz 2010.
PS: Uma colega me disse que te conheceu na reunião do Projovem!

pedagogica mente blogando disse...

oi, fernando...tento comentar há dias,mas não tá dando certo......
eu conheço bem de perto a situação que você descreve......alunos de periferia com N problemas mas que, a despeito de tudo, são humanos!!!têm sentimentos iguaizinhos aos nossos....e minha grande briga com alguns professores é justamente essa: se você é humano, nada do que parta do ser humano pode ser indiferente!!!!cada guri tem uma história de vida que não pode ser desprezada porque, como você mesmo presenciou: a surpresa chega e de uma forma tão gostosa que nos faz sentir pequeninos e egoistas. belo trabalho o teu e de teus companheiros.....sucesso em 2010.superbeijo vera

Aline Loures disse...

É isso mesmo Fernandão... nossa tarefa é árdua, mas prazeirosa... esse trabalho tem sido uma caixinha de surpresa e tem mudado muita coisa nos nossos corações... eu desejo que no meio desse universo contraditório em que estamos inseridos o que há de melhor em nós possa ser plantado na vida dos nossos queridos alunos...

https://http//bloguetando.blogspot.com disse...

Oi Aline!
É um privilegio partilhar esta experiência com uma pessoa tão especial e criativa quanto você... Sei que você esta muito feliz vendo suas idéias sendo copiadas e proclamadas em beneficio de alunos de outras paragens. Parabéns!

Bergilde disse...

Olá,navegando pelo Google acabei descobrindo seu blog,gostei dos conteúdos e propostas educativas aqui registrados então peço licença para acompanhar!Abraços de uma mãe interessadíssima em temáticas da Educação!Da distante Itália,Bergilde