Formatura de meu pai, Hormindo Soares da Silva Oliveira,
em 1932, na extinta Faculdade de Odontologia e Pharmácia de Ubá
“
Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu
pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar
silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único
silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez” Mia Couto
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Papai era “caladão”, só nós, os membros da família, sabíamos do universo que vibrava em seu coração.
Seu desapego estava explícito até nas brincadeiras, uma das que não esqueço era se ganhasse sozinho na loteria... iria comprar um sitio, construir uma casa de sape, sem rádio ou televisão... só jornal... um ribeirão para pescar e, se fosse muito dinheiro, iria tomar sopa de inhame todo dia, cozida em panela de ferro e no fogão à lenha.
Mesmo sem ganhar na loteria, tínhamos um quintal grande, com horta e uma criação de galinhas, uma vez ele comprou, de uma só vez, 100 pintinhos da poedeira raça rhode, Parou com a criação porque incomodava muito um de nossos vizinhos,
Lembro da minha insistência, ainda na imaturidade de adolescente, brigando em vão para que ele colocasse “DR” antes de seu nome na placa em frente ao seu consultório: HORMINDO SOARES – CIRURGIÃO DENTISTA... e, por conta disso, muitos conterrâneos pensavam que ele fosse "dentista prático", mas "não estava nem aí"... não sentia prazer em exibir sua graduação para ninguém.
Sinto muito "orgulho"(sentimento de satisfação) pelas lições que aprendi sobre aquele outro "orgulho"(soberba e arrogância), principalmente neste caso, por se tratar de uma época em que o primário (1ª a 4ª série do ensino fundamental) destacava o individuo em uma sociedade de analfabetos (quase 100% da população). As faculdades eram poucas, ainda não tinham se transformado nessa grande mina de dinheiro, que os empresários educacionais, em sua maioria políticos, sabem garimpar tão bem.
Muriaé na década de 30 devia ter só dentistas práticos (tiradentes). Esse desprendimento me passou despercebido... Só entendi suas lições muitos anos mais tarde, infelizmente, muito depois de sua morte.
Estaria hoje com exatos 100 anos... O "Dr", a casa de sape, panela de ferro ou a sopa de inhame não faz o menor sentido para quem não tem olhos para enxergar estas "preciosidades" que ficaram carinhosamente guardadas em meu coração de filho, e até hoje, 37 anos após sua morte, ainda fico fascinado e cheio de admiração por sua nítida e cristalina percepção sobre o que realmente tem importância neste mar de superficialidades que estamos tão acostumados a mergulhar.
Eu, com toda esta minha aborrecida, emburrecida e insuficiente vaidade intelectual, certamente teria "aproveitado" muito bem aquela máxima de que "em terra de cegos quem tem um olho é rei", mas se fizer um exercício de imaginação e projetar estes mesmos 37 anos para depois de minha morte, será que minhas presunções terão alguma relevância? Servirão para alguma coisa?
Até as mais remotas lembranças que tenho dele se transformam em lições, sobretudo aquelas relacionadas à ÉTICA... por causa disso, mesmo nas mais insignificantes ações, sou um escravo deste imperativo da consciência.
Um comentário:
Ô xará me lembro bem do seu pai, pois ia muito em sua casa mesmo antes de ser seu colega no estadual, porque a D. Nininha foi minha professora no grupo escolar Silveira Brum. Booooooons tempos, e muito bem lembrado... com orgulho e saudade deste que, de baixo de sua timidez e humildade, foi um ícone da nossa querida Muriaé.
Um abraço meu amigo
Fernando Scaramuzzi
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